A FICÇÃO APENAS NÃO BASTA

Depois de Roberta perder a sua vez, tirei outra carta. Fernanda está a meu lado, bate os olhos no texto e pede ao Alex para buscar vinho.
“Thomas e Fernanda encontram Alex em um bar em Paris, ela usa uma forte maquiagem e se faz passar por Tristessa, falando numa linguagem estranha, misturando francês e português. Com a cara cheia de cerveja ele não percebe e se entusiasma na conversa”.
Disse que não tinha nenhuma informação sobre esse capítulo, e que achava um pouco difícil que isso possa ter acontecido na realidade ou venha a acontecer.
“Você está me subestimando, Fred, não sabe do que eu sou capaz”, disse Fernanda, com malícia na voz. “Tem partes desses textos que ainda não aconteceram porque não chegou a hora, mas vão acontecer, acredite”.
Não entendi bem o jogo dela. Pulou a carta anterior, porque a questão era a de produzir ficção, e agora provocava para trazer o assunto à tona novamente.
Eu disse a ela que não duvidava, apenas que achava difícil, e mesmo que se tornasse realidade o texto não mudaria, e poderia se questionar a verossimilhança dessa passagem.
“De novo entra a misteriosa Tristessa na história”, intervém Joana. “Antes ela apenas parecia com Fernanda, agora ela é a própria Fernanda. Dá para você falar agora alguma coisa sobre esse personagem, Fernanda?”
“Dá sim, sobre esse dá. Ele foi inventado a partir da Tristessa misteriosa que desapareceu na névoa de Paris. Foi bom o Alex não estar aqui neste momento senão ficaria praticamente impossível de produzir essa passagem no futuro. Quando vi que o Fred tinha tirado essa carta pedi para ele apanhar vinho, pois se ele lê esse arquivo acaba com a nossa produção.”
“Quer dizer que alguns textos que ainda não aconteceram serão produzidos antes ou depois do livro ir para o ar? Como se fosse um filme, uma peça de teatro?”, pergunto surpreso.
“Sim, se essas coisas se realizarem serão reais, senão permanecerão ficção”.
“E porque essa preocupação toda de fazer acontecer a ficção na vida real, não basta a imaginação, não basta já haver escrito esse texto?”
“Como disse o Alex, para o Thomas não, para ele a ficção apenas não basta. Apenas a vida, sem a ficção, também não. Ele costuma dizer que precisa dos dois, diz que quer penetrar acordado a dimensão do sonho”.
Paula e Joana falam entre elas, todos se calam para ouvir a conversa das duas, e Paula explica.
“É que essa produção me lembra um pouco do que Joana contou antes, sobre o companheiro de classe que desenhava antes a história para depois poder escrever. E também o que Thomas aprendeu com ela, quando os dois começaram a escrever um livro.”
Joana complementou.
“Só que vocês não precisam desenhar antes para escrever depois, escrevem antes e interpretam mais tarde, na vida. É isso?”
“Não é tão simples assim como você está colocando, mas é mais ou menos isso”, respondeu Fernanda, como quem não está querendo discutir as diferenças e semelhanças.